A garota sempre sofria qualquer tipo de violência, na escola, em casa, não se sentia segura e em um lar em nenhum canto. Apenas na praça onde ia com a mãe quando mais nova. Sua vida era resumida em uma rotina cansativa e desesperadora, ninguém se importava com nada que envolvia a garota, apenas uma pessoa, um homem, que estava apaixonado em casa pequeno detalhe da garota.
Kandy.
Vejo um farol alto na minha frente, estava sentada no banco de trás do carro que minha mãe dirigia. Vejo a mulher ruiva a minha frente virar os braços com força e fazer uma careta, depois olha para mim e pula para onde eu estava sentada. Ela me abraça e com uma voz calma diz que tudo ficará bem.
Eu sinto um impacto forte e tudo escurece, escuto várias vozes dizendo que a culpa era minha, que eu tinha matado ela, que eu deveria ter ido no lugar dela.
Acordo assustada, toda suada, olho o horário, ainda era 4 da manhã, senti um frio na espinha de lembrar do sonho novamente. Já iria fazer 13 anos desde que minha mãe se foi, mas ainda tenho o mesmo pesadelo todo dia, talvez porque todos a minha volta ainda me culpam pelo acidente, talvez porque eu realmente ache que a culpa foi minha.
Balanço a cabeça tentando dispersar todos os pensamentos ruins daquela noite, sinto todo meu corpo doer assim que saio da cama, vou em direção ao banheiro e tomo um banho longo e bem gelado, minha cabeça está latejante de dor e precisava de alguma forma relaxar.
volto para o quarto e procuro uma roupa que dê para esconder os machucados do meu corpo, tento não fazer muito esforço quando coloco a calça jeans preta, a blusa azul escura e o casaco com capuz preto.
Saio do meu quarto e ando até as escadas, olho para a casa enorme onde moro, mas que sei que nunca vai ser uma lar meu e penso em todas as coisas que já sofri por ser como sou. Desço as escadas devagar e sem fazer barulho o máximo que podia.
Não posso acordar eles, meu pai bebeu noite passada e de novo, foi violento. Ele sempre diz que eu lembro a minha mãe, por quem sempre foi apaixonado, ele diz que se pudesse, faria eu trocar de lugar com ela e aí sim ele viveria feliz, mas a vida não é assim.
Eu também gostaria de trocar de lugar com ela, faria de tudo para ter isso.
fui em direção a cozinha e preparei o café deles, demoro uma hora para fazer tudo, limpar e guardar o que usei, pego apenas uma fruta qualquer e volto ao meu quarto, pego minhas coisas para a faculdade e desço de novo.
Vou em direção a saída, abro a porta e saio de casa, indo ao único lugar que eu posso relaxar e me sentir em paz de verdade.
ando alguns minutos e de longe, posso ver o parque que sempre vínhamos quando minha mãe estava aqui, caminho por ele, as vezes olhando para o nascer do sol, as vezes olhando as árvores. ainda é primavera, a época que mais gosto, é relaxante, friozinho e ao mesmo tempo quente, é reconfortante.
eu me aproximo de um banco e me sento, olhando para meu redor e depois olhando para o céu. Sentia saudades dela.
eu levanto minha mão para o céu e fecho os olhos, sentindo o vento frio da manhã e os cheiros bons vindo de árvores e flores ao meu redor.
- sinto saudades.
- quanto mais tempo passa, mais você fica esquisita, falando com seu namorado imaginário?
eu me assusto ao ouvir a voz grave bem perto de mim, abro os olhos e Jason Romano está na minha frente com seu típico sorriso de canto de boca. Abaixo meu braço e afasto meu rosto mais para trás, ele estava numa distância perigosamente próxima.
Jason Romano, 25 anos, próximo a herdar as empresas Romano, tá fazendo seu último ano de administração e é o primeiro a me atormentar em completamente tudo que pode. Ele tem uma certa alegria em me ver triste e aborrecida, ele ri ainda mais quando estou os dois.
Jason é o típico badboy de livros que eu amaria ter como perseguidor, mas ao contrário do que pensei, ele é tão insuportável que nem sua beleza pode compensar a raiva que me faz passar.
seus olhos verdes esmeralda me encaram sério, passeia por todo o meu rosto e param apenas no meu olho esquerdo.
- pontinhos, o que aconteceu com seu olho?
eu levo a mão até meu olho e lembro que estava roxo e inchado, não podia sair desse jeito, mas simplesmente esqueci, estava no mundo da lua pensando na mamãe e deixei completamente de lado a lembrança que estava toda machucada.
- nada.
eu levanto com rapidez do banco, ficando frente a frente com Jason, ele era uns bons 20 centímetros mais alto que eu, então tenho que manter meu rosto sempre para cima para ver sua cara. Eu coloco o capuz na minha cabeça e tento esconder o máximo que posso do olho inchado. Saio dali andando rápido, sei que tentou me segurar, mas não conseguiu a tempo e sua mão apenas delizou pelo meu antebraço.
eu suspiro aliviada e vou em direção a escola, não poderia faltar, mesmo estando machucada, não posso faltar sequer um dia. Estudo em uma faculdade de renome famosa por ter saído vários políticos, engenheiros e outros de muito sucesso. Consegui uma bolsa integral para estudar artes plásticas.
Mantenho ótimas notas e sempre me atualizo de tudo, tenho uma boa amizade com os professores e a diretora, esses que sempre percebem meus machucados e tentam conversar comigo, eu apenas desconverso e saio de perto.
Não poderia dizer nada, isso poderia acabar com o trabalho do meu pai e isso só vai piorar as coisas para o meu lado.
ao chegar na faculdade, não tem ninguém por lá, ainda era 7 horas e as aulas começam às 9, cheguei cedo apenas por causa do susto com Jason, ficaria um tempo lá pela praça até dar um horário bom para vir para a faculdade, mas acabei me apressando e nem percebendo o quão cedo é.
vou para a sala da primeira aula e coloco minha bolsa na cadeira que sempre reservo, saio da sala e vou em direção a biblioteca, que infelizmente estava fechada.
Aqui na faculdade tem muito esportes também, muito jogadores saem daqui com a carreira feita, existem jogadores de futebol americano, dançarinos, cheerlider, jogadores de hóquei e patinadores artísticos e outros. Eu especialmente não me importo com nenhum outro esporte, apenas a patinação, minha mãe era uma patinadora artística antes de se casar com meu pai, ela se aposentou apenas para dar sua total atenção a família, mas ela ainda tinha o amor guardado e então, quando completei meus sete anos de idade, ela me levou a uma pista de patinação e me ensinou.
Ainda tive aulas com ela por 3 meses antes do acidente, quando aconteceu, eu parei a patinação por 5 anos, até que voltei a patinar quando achei os patins favoritos dela.
Entro na pista e vou em direção aos armários, já tinha um reservado para mim, a treinadora sempre tentou me convencer a entrar para o clube, mas nunca tive interesse e recusava, mas quando não tinha ninguém por aqui, eu vinha e ficava no meu mundinho.
É difícil eu achar algo que me deixe relaxada e existe apenas três coisas que faço que me fazem esquecer de tudo, a patinação, ler e sentar no banco da praça e apenas olhar tudo ao meu redor. É calmante, são as únicas vezes que fico sozinha e é exatamente por isso que me sinto relaxada.
eu coloco os patins da minha mãe e entro na pista, começando a deslizar pelo gelo devagar, vou criando velocidade com o tempo e relaxando cada vez mais. sentindo o vento frio em meu rosto e meu corpo todo se arrepiar, faço um rodopio no ar e volto para o chão em perfeita precisão.
levanto minha perna esquerda para o ar e a seguro com as duas mãos acima da cabeça, jogo a mesma perna para a frente e faço o giro sentado, com uma perna estendida e outra dobrada, me agacho, quase próxima ao gelo e giro por um tempo, me levanto e dou uma pirueta, faço voltas e voltas na pista para tentar pegar velocidade, incontáveis saltos, me equilíbrio muito ao tentar os saltos e consigo perfeitamente.
faço outra curva e um salto, parando com uma pirueta na entrada para a pista de gelo, saio e me sento nas arquibancadas, ofegante e com um pouco de falta de ar, retiro meus patins e paro quando sinto algo gelado no meu pescoço.
- acho que para ter feito o que fez, deveria ter usado proteção ou uma roupa mais curta.
olho para cima, já reconhecendo a voz de Jason, ele estava parado ao meu lado, segurando uma garrafa de água cheia bem gelada, ele balança a garrafa para mim e eu empurro a mão dele, voltando a tirar meus patins e colocando meus tênis em seguida.
levanto da arquibanca com os patins na mão e vou em direção ao meu armário, Jason se manteve quieto o tempo que fiquei para trocar meus sapatos e agora me segue como um cachorro que quer pedir algo.
- como você se machucou?
eu viro para ele com os olhos levemente arregalados e suspiro, correndo dele, pela segunda vez em menos de duas horas.