Opúsculos por Alexandre Herculano - Tomo VII by Alexandre Herculano
Houve entre nós um rei nascido com uma indole generosa e magnifica: foi D. Jo?o V. Favoreceu a fortuna a grandiosidade do seu animo. Durante o reinado d'este principe as entranhas da America pareciam converter-se em ouro, e a terra brotar diamantes para enriquecerem o thesouro portuguez, e o nosso primeiro rei do seculo XVIII p?de emular Luiz XIV em fasto e magnificencia. Ha, porém, differen?as entre os dous monarchas: Luiz XIV, mais guerreador que guerreiro, malbaratou o sangue de seus subditos em conquistas estereis; D.
Jo?o V, mais pacífico que timido, comprou sempre, sem olhar ao pre?o, a paz externa dos seus naturaes. Luiz XIV levou a altissimo gráu d'esplendor as letras e as sciencias: D. Jo?o V tentou-o; mas ficou muito áquem do principe francez. Devemos todavia lembrar-nos de que Luiz XIV era senhor de uma vasta monarchia, e D. Jo?o V rei de uma na??o pequena. Uma litteratura extensa e ao mesmo tempo vigorosa só apparece onde ha muitos homens. é como a grande cultura, que só pode fazer-se em opulentas propriedades e dilatados terrenos.
D. Jo?o V teve como Luiz XIV o seu Louvre; mas um Louvre em harmonia com o caracter, n?o tanto religioso como beato e hypocrita, do seu paiz n'aquella epocha. Mafra ficou duvidosa no desenho, entre o mosteiro e o palacio. As duas entidades architectonicas compenetram-se ahi d'um modo inextricavel. A púrpura está lá remendada de burel; o burel alindado com púrpura, e o sceptro do rei enla?a-se com a corda d'esparto, ao passo que a alpargata franciscana ousa pisar os degráus do throno. Os que sabem qu?o corrompidos foram os costumes em Portugal no princípio do seculo passado, e qu?o esplendido e ostentoso foi o culto divino; qu?o brilhante foi a c?rte portugueza n'esse tempo, e por qu?o frouxas m?os andou o leme do estado, n?o precisam vêr Mafra. Mafra é a imagem de tudo isso.
Um grande edificio, fosse qual fosse o destino que seu fundador lhe quizesse dar, é sempre e de muitos modos um livro de historia. Os que n'elle buscam só um typo por onde aferir o progresso ou decadencia das artes na epocha da sua edifica??o, lêem apenas um capitulo d'esse livro. Os castellos, os templos, e os palacios, triplice genero de monumentos que encerra em si toda a architectura da Europa moderna, formam uma chronica immensa, em que ha mais historia que nos escriptos dos historiadores. Os architectos n?o suspeitavam que viria tempo em que os homens soubessem decifrar nas moles de pedras affei?oadas e accumaladas a vida da sociedade que as ajuntou, e deixavam-se ir ao som das suas inspira??es, que eram determinadas pelo viver e crêr e sentir da gera??o que passava. Elles n?o sabiam, como os historiadores, que no seu livro de pedra, tambem como nos d'aquelles, se podia mentir á posteridade. Por motivo tal foi a architectura sincera.
Mafra é um monumento rico, mas sem poesia, e por isso sem verdadeira grandeza: é um monumento de uma na??o que dormita após um banquete como os de Lucullo: é o toucador de uma Lais ou Phrine assentado dentro do templo do Deus dos christ?os, e sob outro aspecto, é a beataria d'uma velha tonta, affectando a linguagem da fé ardente e profunda d'Origines ou de Tertulliano.
Sem contesta??o, Mafra é uma bagatella maravilhosa, o dixe de um rei liberal, abastado e magnifico; é pouco mais ou menos o que foi Portugal na primeira metade do seculo XVIII.
Collocai pela imagina??o Mafra ao pé da Batalha, e podereis entender quanto é clara e precisa a linguagem d'estas chronicas, lidas de poucos, em que as gera??es escrevem mysteriosamente a historia do seu viver. A Batalha é grave como o vulto homerico de D. Jo?o I, poetica e altiva como os cavalleiros da ala de Mem Rodriguez, religiosa, tranquilla, santa como D. Philippa rodeada dos seus cinco filhos. As m?os que edificaram Santa Maria da Victoria, meneando as armas em Aljubarrota, deviam ser vencedoras. A Batalha representa uma gera??o energica, moral, crente: Mafra uma gera??o afeminada, que se finge forte e grande. A Batalha é um poema de pedra: Mafra é uma semsaboria de marmore. Ambas, ecchos perennes que repercutem nos seculos que v?o passando a express?o complexa, e todavia clara e exacta, de duas epochas historicas do mesmo povo, sua juventude vi?osa e robusta, e sua velhice cachetica.
O caracter de um monumento do tempo presente n?o póde ser por certo um edificio gigante, um templo, ou um palacio. Onde as cren?as religiosas vacillam como a luz que se apaga, o templo seria uma pagina de historia fabulosa: onde a pobreza extrema substitue a riqueza, um tanto estupida e fastosa com mau gosto, o palacio esplendido seria um capitulo anachronico. O monumento deve resumir a sociedade, e em nenhum d'esses generos de memoradum se acharia representado o actual existir.
Que somos nós hoje? Uma na??o que tende a regenerar-se: diremos mais: que se regenera. Regenera-se, porque se reprehende a si propria; porque se revolve no loda?al onde dormia tranquilla; porque, se irrita da sua decadencia, e já n?o sorri sem vergonha ao insultar d'estranhos; porque principia, emfim, a reconhecer que o trabalho n?o deshonra, e vai esquecendo as visagens senhorís de fidalga. Deixai passar essas paix?es pequenas e más que combatem na arena politica, deixai fluctuar á luz do sol na superficie da sociedade esses cora??es cancerosos que ahi vêdes; deixai erguerem-se, tombar, despeda?arem-se essas vagas encontradas e confusas das opini?es! Tudo isto acontece quando se agita o oceano; e o mar do povo agita-se debaixo da sua superficie. O sarga?o immundo, a escuma fétida e turva h?o-de desapparecer. Um dia o oceano popular será grandioso, puro e sereno como sahiu das m?os de Deus. A tempestade é a precursora da bonan?a. O lago asphaltite, o Mar-Morto, esse é que n?o tem procellas.
O nosso estrebuxar, muitas vezes colerico, muitas mais mentecapto e ridiculo, próva que a Europa se enganava quando cria que esta nobre terra do ultimo occidente era o cemiterio de uma na??o cadaver. Vivemos: e ainda que similhante viver seja o delirio febril de moribundo, esta situa??o violenta, aos olhos dos que sabem vêr, é uma crise de salva??o, posto que dolorosa, e lenta. Confiemos e esperemos: o nome portuguez n?o foi riscado do livro dos eternos destinos.
Um dos signaes evidentes da restaura??o social do paiz, e ao mesmo tempo o caracter mais notavel que distingue esta epocha é o seu movimento industrial, industrial na mais extensa significa??o da palavra. Primeira entre as differentes industrias é a agricultura, e a agricultura tem incontestavelmente sido o nosso principal progresso.
Qual será portanto o monumento que melhor resuma este periodo de regenera??o? Será o aspecto do solo, o vi?o dos campos, a abundancia substituida á escaceza na morada do homem laborioso. Arroteai algumas geiras de terra: em um marco esculpi a data d'essa transforma??o: cobri a superficie de Portugal d'estes marcos. Eis ahi, n?o um, porém mil monumentos que significar?o o espirito do presente.
Plantai o bosque na serrania escalvada: que elle braceje virente para o céu, e enrede as suas raizes nas rachas da penedia. Agitada pelo vento, a selva com o seu rugir irá contando a cada seculo que nascer as tendencias laboriosas do nosso, que já come?am a apparecer. Os cimos das montanhas s?o as verdadeiras aras de Deus: é lá que oravam as na??es virgens. Sanctificai a vossa religi?o de patriotismo pelo culto universal e primitivo: o bosque murmurando com o espirar da aragem é um hymno ao Anci?o dos Dias: que este hymno nos consagre a memoria ao amor e gratid?o de nossos filhos!
Ao lado dos pa?os monasticos de Mafra, monumento de uma era de vans grandezas, vai-se hoje alevantando sem ruido o monumento modesto, mas eloquente e sancto, da idéa progressiva da actualidade. Ao lado d'essas pedras amontoadas, d'esses torre?es gigantes, macissos, e pesadamente estupidos, serpeam já os prados virentes por veigas e valles, cobertos ainda ha pouco de abrolhos e urzes. Contrastando com os lan?os de muralhas caiádas da ochre, que amarelleja bestialmente, como um cord?o de ouropel enfiado em diamantes, por entre a c?r severa dos marmores tisnados pelo tempo, vêem-se ao longo verdejar os pinheirinhos, que coroam as alturas ao norte e oriente d'aquelle edificio monstruoso, hybrido, e extravagante como uma composi??o pseudo-poetica da Phenix-Renascida. As folhas de terra cultivada dilatam-se pelas chapadas e encostas, várias na c?r segundo a altura das cearas, ou conforme a qualidade do solo, nos sitios onde ainda as sementeiras n?o surgem no comê?o do germinar. é como um xadrez enorme, cujas casas se houvessem repartido ao acaso n'um taboleiro irregular e immenso.
A vontade real fez apparecer o edificio: outras Vontades Reaes fizeram nascer a granja-modelo. Para a primeira requeria-se ouro e for?a; para a segunda intelligencia e amor do paiz. O sceptro foi robusto e potente quando amontoou aquella penedia lavrada e esculpida: o sceptro é o symbolo da paz e da beneficencia quando em vez de converter p?o em pedras, converte gandra bravia e esteril em um nobre exemplo que mostre ao povo onde está a sua derradeira esperan?a, o progresso da industria e o amor do trabalho.
Para a maravilhosa inutilidade de D. Jo?o V gastaram-se por largos annos os milh?es que de continuo nos entregava a America: o lidar accumulado de cincoenta mil homens consumiu-se em desbastar e pulir essas pedras hoje esquecidas, que apenas servem para alimentar por algumas horas a curiosidade dos que passam. é uma verdade cem vezes repetida, que o pre?o de Mafra teria coberto Portugal das melhores estradas da Europa; mas nem por ser trivial essa verdade deixa de ser dolorosa. E todavia tal pre?o era o menos! As maldicc?es submissas dos que foram arrastados de todos os angulos da monarchia, para esta grande anudúva nacional, e as lagrymas das suas familias, n?o as p?de suffocar a adula??o cortez?; transsudaram até nós nas paginas da historia, e cahindo sobre o ataúde dourado do principe que as fez verter, deixaram a inscrip??o do seu nome manchada de uma nódoa que o tempo n?o gastará.
A vasta e risonha granja que viceja ao lado do negro e carrancudo edificio n?o custou uma só mealha dos dinheiros publicos; n?o arrancou uma lagryma. N?o s?o maldic??es o seu fructo: s?o ben??os dos que vivem: ser?o no futuro ben??os da posteridade.
O convento-palacio, nascido sob manto de púrpura, alegre na sua juventude e habituado a pompas de longos annos, ahi está, illustre mendigo, assentado hoje n'um como ermo, onde a vida robusta de seculos que lhe fadára o fundador, se vai convertendo em antecipada decrepidez. Inutilmente com a sua grande voz de bronze elle pede que o abriguem das injurias das estac?es. As aguas do céu, filtrando-lhe por entre os membros, lá os v?o lentamente desconjuntando, o sol cresta-lhe a fronte e faz prosperar os musgos, que lhe arrugam a rija epiderme: o vento redemoinha atravez das suas janellas mal seguras, e bramindo n'aquellas solid?es do seu recinto, atira ao rosto das estatuas, aos acanthos dos capiteis, á face polida das paredes de marmore, o pó que tomou nas azas passando pelas serranias. No meio do estrepitar do mundo ninguem escuta o gemer do gigante de pedra; ninguem se lembra de tirar do peculio do estado a mais pequena somma para elle. E porque? Porque a sua miseria n?o fala aos cora??es nem aos entendimentos. Memorias gloriosas? N?o as ha lá. Utilidade? Para que serve essa pedreira immensa?
A granja, porém, de Mafra nem teme as aguas do céu, nem os raios creadores do sol: pov?a os seus agros outeiros de pinhaes, a cujo abrigo zombará em breve da furia dos ventos. N?o vae pedir soccorros á munificencia publica: util já aos pequenos e humildes, sê-lo-ha tambem algum dia a quem a fez nascer, util em proveitos materiaes, e, o que mais vale, em fructos de verdadeira gloria.
Ha quatro annos apenas, que os muros da cêrca ou tapada de Mafra, estirando-se como serpe monstruosa por tres leguas, atravez de valles e outeiros, encerravam um vasto maninho coberto de sar?as rasteiras, onde raro se via alevantar uma arvore solitaria, curva e pendida pelo a?outar continuo das ventanias, ou algum pequeno e enfezado pinhal perdido no meio d'aqueles mattos inuteis. Era um symbolo de barbaria ao pé d'um symbolo de opulencia. O edificio e o parque pareciam significar no seu conjuncto-o orgulho tendo por fundamento o nada.
Ha tres annos ordenaram SS. MM. se come?assem a desbravar esses terrenos incultos. O actual intendente das cavalheri?as reaes, o Snr. A. Severino Alves, foi encarregado de administrar as caudelarias alli estabelecidas, e da direc??o daquelle arroteamento. Obra de uma sexta parte da tapada mais proxima do edificio destinou-se immediatamente para a cultura, e os trabalhos principiaram. O estado em que estes se acham, comparado com as despezas, proporcionalmente diminutas, que se tem feito, provam que talvez houvesse quem fosse t?o digno de ser encarregado de realisar o pensamento generoso, nobre, e civilisador dos nossos Principes, mas que ninguem por certo o seria mais que o Snr. A. Severino Alves.
O que vamos dizer n?o é completo; n?o é a historia particularisada de tudo que examinámos com os proprios olhos; porque n?o queremos ser prolixos. O nosso intento é vêr se contribuimos para o verdadeiro progresso da terra em que nascemos. Se os grandes ou pequenos proprietarios que abandonam os seus campos e herdades, ou que desprezam os meios de os tornar mais productivos, se mostram surdos ao bradar da imprensa e de todos os homens sisudos, revocando esta malaventurada na??o á actividade e ao trabalho, que se envergonhem ao menos com o exemplo que lhes dá o throno. Em quanto os governos e os parlamentos ponderam a conveniencia, a necessidade do estabelecimento das quintas de estudo, em Mafra, sem ruido, sem verbosos relatorios e discursos, se vae estabelecendo e aperfei?oando uma granja modelo, que esperamos fa?a sentir dentro de pouco á agricultura portuguesa o seu benefico influxo. Certos de que SS. MM. se collocar?o á frente do movimento agricola do paiz, porque o augmento da agricultura deve trazer a prosperidade aos seus subditos, n'este jornal, que se derrama por todos os angulos de Portugal, daremos noticia das experiencias que se forem fazendo, dos melhoramentos que se forem introduzindo nas propriedades do apanagio da Cor?a. A nossa situa??o especial nos habilita para obter a este respeito exactas informa??es. A utilidade que d'ahi possa resultar aos agricultores, retribuam-n'a elles em gratid?o aos Principes que souberam ser dignos do amor dos portuguezes, e entenderam plenamente o grave e progressivo pensamento d'este seculo.
Escolhida a por??o de terreno na tapada de Mafra, que se devia destinar á cultura, dividiu-se aquella parte em oito grandes tractos ou folhas, cujo arroteamento se tem seguido successivamente e sem interrup??o até hoje.
O systema adoptado para este fim foi o melhor que era possivel imaginar. Alem da cultura feita á custa da Casa Real, v?o-se distribuindo aos habitantes da villa de Mafra os terrenos que elles querem desbravar. O inteiro uso-fructo d'estes terrenos fica pertencendo por tres annos a quem os converte de maninhos que eram em terras araveis, e ainda que o solo da tapada me pare?a de inferior qualidade, e se achasse muito deteriorado pelas plantas ruins de que estava coberto, todavia essa cultura tem dado excellentes resultados. A produc??o da batata, planta t?o conveniente para terrenos arroteados de novo, ha sido tal, que no anno passado se alevantaram na tapada 1:800 carradas d'este util solano, cuja introduc??o na Europa tornou impossiveis as fomes espantosas, que de annos a annos lhe desbastavam a povoa??o. N'essas encostas e veigas onde, t?o pouco tempo ha, os olhos esmoreciam alongando-se pelos sar?aes, vêem-se estendidas as searas, os campos de milho e os batataes, e nos rostos dos habitantes da villa e dos povoádos circumvisinhos, e nos seus trajos e porte, vê-se que se o amor da taberna tem diminuido, os habitos do trabalho, e por isso a abastan?a tem augmentado.
Mais de vinte egoas, m?is e filhas, e de quarenta poldros, constituem já uma caudelaria que vai adquirindo rapido crescimento. Cincoenta vaccas entre as de casta vulgar, torinas e de uma excellente ra?a asiatica, ahi s?o tractadas com esmero talvez n?o inferior ao que se emprega na come?ada caudelaria. Os estabulos e curraes, ordenados pelos melhores methodos modernos, e com atten??o a importantes considera??es hygienicas, seriam um bom modelo para aquelles que pensam reduzir-se o tratamento dos gados unicamente a dar-lhes muito de comer, n?o importa se bom ou máu.
Ainda que na granja de Mafra os animaes sejam alimentados, por via de regra, á manjadoura, systema hoje aconselhado nos paizes mais adiantados como preferivel por graves motivos, nem por isso deixa de haver n'este estabelecimento agricola muitos prados pastaveis, compostos, alem da azevem, de uma mistura de certo numero d'aquellas plantas de que separadamente se comp?em os artificiaes. Estes, porém, merecem com raz?o os especiaes cuidados do Snr. Severino Alves.
As plantas que constituem estes prados, tanto regados como seccos, s?o a luzerna, os trevos, branco e encarnado, o onobrychis (sainfoin), a anafa, a cenoura, e a ervilhaca. A cultura d'algumas d'estas forragens ainda se limita a diminutas experiencias, mas a de outras já tem adquirido bastante extens?o. Admirámos sobretudo um luzernal, onde o methodo da transplanta??o produziu magnificos resultados. Cada pé de luzerna lan?ando em roda os seus muitos rebent?es ou filhos, fórma uma especie de mouta robusta, que produz em cada córte muito maior por??o de pasto do que produziria uma superficie egual á que occupa, semeada de luzerna que n?o fosse transplantada.
O incremento que estes prados podem ter n'aquelles, d'antes t?o pobres e tristes, hoje t?o ricos e risonhos terrenos, é d'extrema importancia. Duas enormes lag?as, uma das quaes é constantemente refrescada e supprida por uma pequena veia d'agua perenne, foram limpas e vedadas construindo-se canos subterraneos por onde se hajam de sangrar convenientemente. Estas lag?as, collocadas em certa altura, podem regar um valle extensissimo, optimo para o augmento de prados.
A silvicultura, essa parte t?o interessante e t?o bella da sciencia de agricultar, tem em Mafra um terrivel inimigo-o noroeste. Este vento sopra ahi com violencia extraordinaria. Alguma arvore silvestre, que vivia solitaria no meio d'aquelles mattos rasteiros, vergada para sueste na altura das arrancas, estende rachytica os seus ramos a?outados pelas ventanias quasi parallelos com a terra. Estabeleceu-se porém um systema d'abrigos, que deve dentro d'alguns annos tornar n?o só possivel, mas até facil, a propaga??o de arvores de floresta e de fructo. Os pinheirinhos bravos (pinus maritima) cobrem já os cabe?os escalvados que se alevantam por meio das chapadas, encostas, e valles, e os castanheiros, carvalhos, e azinheiros bordam os caminhos: estes bosques, quando crescidos, annullar?o em grande parte a violencia dos ventos, e ent?o será possivel o plantio de outras arvores silvestres e fructiferas, principalmente das oliveiras, de que já se v?o preparando extensos e bem ordenados viveiros.
Uma considera??o que occorre naturalmente ao imaginar similhante extens?o de cultura, é a dos adubos, e a do modo de os fazer progressivamente augmentar. ácerca d'este ponto capitalissimo, daremos brevemente curiosas e interessantes noticias, em um artigo especial. Ent?o teremos occasi?o de falar dos differentes methodos de amanhar as terras, que progressivamente se v?o introduzindo na granja de Mafra.
Os instrumentos aratorios e mais machinas do servi?o agricola s?o construidos no mesmo estabelecimento em officina para isso principalmente deputada. Ahi se encontra a charrua ingleza, a arave?a grande de uma aivéca, a pequena de duas, o semeador, as grades triangulares e de diversos feitios, o trilho de debulhar, o engenho de tra?ar cevada, carros inglezes, etc., alem dos instrumentos proprios do paiz construidos com perfei??o.
Tal é o rapido quadro da transforma??o que apresenta uma parte d'esses maninhos inuteis da tapada de Mafra. Importante em si, similhante transforma??o muito mais o tem sido pela influencia que o exemplo produz n'aquelles arredores: o agricultor, que por assim dizer palpa as vantagens que resultam de um systema illustrado de agricultar, vae abandonando as suas grosseiras usan?as, que todos os discursos dos livros n?o alcan?ariam estirpar. Mafra está sendo um fóco de luz, uma fonte de progresso agricola. Entre os beneficios que tem produzido este é porventura o maior. Aquella vasta granja, se proporciona a muitos abastan?a, o alimento para o corpo, offerece a muitos mais as revela??es da sciencia-o alimento para o espirito.
O edificio ahi está mendigo, abandonado, canceroso já, e inutil, ao lado da granja cheia de vi?o, rica, generosa, e aben?oada d'esperan?as. S?o dous monumentos de dous seculos diversos, ambos obras de Reis. Que a philosophia julgue um e outro, e julgue tambem as vontades e as intelligencias que fizeram surgir um e outro.
BREVES REFLEX?ES SOBRE ALGUNS PONTOS DE ECONOMIA AGRICOLA
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